Guarda compartilhada de um ‘boneco’? O que o Direito tem a dizer sobre os bebês reborn
Casais brigam na Justiça por ‘filhos’ que não são humanos — e o Judiciário precisa responder
- Categoria: Atualidade
- Publicação: 23/05/2025 19:41
- Autor: Doris Pinheiro

Eles dormem em berços, usam roupas de bebê e têm até perfis no Instagram com milhares de seguidores. Os bebês reborn, bonecas hiper-realistas que imitam recém-nascidos com impressionante fidelidade, deixaram de ser apenas um passatempo artístico para se tornarem alvos de disputas judiciais no Brasil.
Casais que se separam discutem quem fica com a “guarda” do bebê reborn. Há quem exija a retirada do outro da conta no Instagram do “filho de silicone” e até quem peça indenização por danos emocionais. Parece roteiro de ficção, mas os casos já começam a surgir nos tribunais — e levantam uma pergunta inusitada: como o Direito lida com algo que desperta tanto afeto, mas que juridicamente é só um objeto?
O tema ganhou ainda mais destaque com casos noticiados recentemente pela imprensa, como o de um casal que travou uma disputa pela posse de uma boneca reborn e pela monetização do perfil da “filha virtual” nas redes sociais. Com isso, o debate sai do nicho e invade as salas de audiência: afinal, existe fundamento legal para brigar judicialmente por um boneco?
Para esclarecer as nuances jurídicas desse tema, consultamos o advogado Dr. André Andrade, professor de Direito Civil e Mestre em Família. Ele explica que, por mais afeto que despertem, os bebês reborn são considerados bens móveis pelo Código Civil, conforme o artigo 83.
“O direito enxerga os bebês reborn enquanto objetos, enquanto bens, como qualquer outro. E essa, muito provavelmente, vai ser a visão da Justiça em casos concretos,” afirma o advogado.
A natureza jurídica dos bebês reborn, como explica Dr. Andrade, por serem bens móveis, os reborn não podem ser objeto de guarda, pensão ou regulamentação de convivência, como ocorre com crianças.
“Não seria cabível — apesar de psicologicamente algumas pessoas fazerem isso — igualar um bebê reborn, que objetivamente é um boneco, com um bebê real,” pontua.
Partilha em casos de separação
No entanto, em cenários de divórcio, eles podem ser partilhados conforme o regime de bens adotado pelo casal.
• Comunhão universal: tudo é dividido.
• Comunhão parcial: divide-se o que foi adquirido durante o casamento.
• Separação total: cada um fica com o que comprou.
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Quando o afeto pesa na balança
Em casos de grande apego emocional, é possível firmar acordos extrajudiciais, definindo uma posse alternada do bem — algo que, embora juridicamente inusitado, pode ser respeitado pela Justiça se houver consenso.
“É possível, sim, que observando alguns critérios — principalmente a valoração emocional — se defina a divisão do bem de forma compartilhada. Não é uma guarda no sentido técnico, mas pode ser uma forma de conciliação,” explica o advogado.
Dr. Andrade destaca que, embora sejam seres vivos, até os animais de estimação ainda são tratados como bens no ordenamento jurídico brasileiro.
“Se hoje já é difícil para a Justiça lidar com a guarda de pets — que são seres vivos e sencientes — imagine com bonecos. Mas, por analogia, é possível aplicar algumas dessas lógicas, sempre com muito cuidado,” alerta.
Consequências e Soluções Jurídicas
Mesmo sendo um bem material, o bebê reborn pode ter valor afetivo e financeiro, especialmente quando atrelado a perfis em redes sociais que geram receita. Nessas situações, o perfil digital pode ser tratado como ativo patrimonial, sujeito à divisão de lucros ou à gestão compartilhada — como ocorre com empresas ou influenciadores.
O caminho mais recomendado é sempre o acordo extrajudicial, com cláusulas que definam claramente a posse, o uso e até a monetização da imagem do boneco em redes sociais. Se houver conflito, a Justiça pode atuar não pela guarda em si, mas pela divisão patrimonial.
A discussão sobre bebês reborn no Direito revela os novos dilemas da era digital e das relações afetivas contemporâneas. Embora a lei ainda os trate como objetos, a forma como as pessoas se relacionam com esses bonecos desafia os limites tradicionais do Direito de Família.
“Não podemos cair no ridículo de achar que um boneco é um bebê real. Mas, dentro do contexto emocional de quem o possui, é possível encontrar soluções jurídicas respeitosas — em especial levando a questão da visão psicológica que aquela pessoa tem daquele “bebê”, possivelmente trazendo uma solução jurídica modelada diante do caso prático,” finaliza Dr. André Andrade.
Enquanto isso, o Judiciário segue sendo chamado a responder a perguntas que até pouco tempo seriam impensáveis.
Sobre André Andrade
Advogado, inscrito na OAB/BA 65.674. Professor de Direito Civil, Mestre em Família na Sociedade Contemporânea pela UCSAL, Pós-graduado em Advocacia Contratual e Responsabilidade Civil e em Direito de Família e Sucessões, Bacharel em Direito pela UFBA e Membro da Academia Brasileira de Direito Civil. Atualmente, é sócio do escritório Braz & Andrade Advocacia Especializada.
Contato: @advogadoandreandrade / 71 99976-8547
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