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Análise do Filme " A Voz que Resta"

  • Categoria: Critica de Filmes
  • Publicação: 04/02/2025 18:15
  • Autor: Marli Durant
A Voz que Resta" (2025): Uma Análise Filosófica e Psicológica Direção: Gustavo Machado e Roberta Ribas Roteiro: Vadim NikitimElenco: Gustavo Machado, Roberta RibasGênero: DramaData de estreia: 6 de fevereiro de 2025 O peso da existência em uma fita cassete O filme A Voz que Resta emerge como um estudo intimista sobre a frustração, a angústia e a necessidade de expressão. A narrativa acompanha Paulo, um jornalista e escritor preso em uma rotina sufocante, consumido por um relacionamento destrutivo com Marina. Sua única fuga se dá por meio de um gravador de fita cassete, onde ele externaliza sua dor e reflexões, transformando a máquina em um confidente silencioso. A estrutura narrativa do filme evoca um teatro da mente, uma espécie de monodrama existencialista, onde o fluxo de consciência do protagonista ressoa como um último grito de desespero. Trata-se de um filme sobre os resquícios de identidade em meio à alienação contemporânea, uma reflexão sobre como as palavras que escolhemos dizer (ou registrar) podem ser tanto um grito de salvação quanto um epitáfio emocional. A Influência de Sartre e o Existencialismo A jornada de Paulo se assemelha a uma dramatização moderna das ideias de Jean-Paul Sartre. Em O Ser e o Nada, Sartre discorre sobre a má-fé, um estado no qual os indivíduos se refugiam em papéis preestabelecidos para evitar a angústia da liberdade. Paulo, como escritor frustrado, parece encapsulado nesse dilema: deseja romper com sua vida atual, mas hesita em assumir sua total responsabilidade como criador e sujeito de sua existência. Sua relação com Marina também pode ser lida sob a ótica sartreana. Se em Entre Quatro Paredes (Huis Clos), Sartre afirma que "o inferno são os outros", A Voz que Resta explora esse princípio ao retratar um relacionamento tóxico onde ambos se sabotam mutuamente. Marina, aspirante a atriz e garçonete, também se agarra a um ideal inatingível, reforçando o ciclo de destruição e dependência mútua. Psicanálise e o Gravador como um "Ouvido Absoluto" A fita cassete não é apenas um dispositivo narrativo, mas um espelho da subjetividade de Paulo. Sob a perspectiva freudiana, podemos interpretá-la como uma manifestação do inconsciente emergindo na forma de um discurso sem filtro. O ato de gravar suas reflexões equivale a uma sessão de talking cure, onde o protagonista tenta organizar seus pensamentos em meio ao caos emocional. Jacques Lacan, em sua teoria sobre o registro simbólico, afirma que a linguagem estrutura o nosso eu. No caso de Paulo, sua própria voz registrada parece ganhar um status quase fantasmagórico—ele se escuta como se fosse um outro, um duplo espectral que reafirma sua solidão e sua crise de identidade. Essa separação entre a voz e o corpo pode ser comparada ao conceito lacaniano de extimidade (ou "intimidade externa"), na qual aquilo que nos é mais interno se revela como algo estranho quando exposto. Direção e Estética: O Minimalismo como Opressão A cinematografia de Gustavo Machado e Roberta Ribas adota uma abordagem minimalista, reforçando a sensação de claustrofobia existencial. Os enquadramentos fechados e a paleta de cores desbotada evocam um mundo onde o espaço físico reflete o espaço mental do protagonista—pequeno, abafado e incapaz de oferecer fuga. A trilha sonora, discreta e introspectiva, contribui para essa atmosfera, evitando grandes momentos de catarse e, em vez disso, mergulhando o espectador em um estado de tensão latente. A ausência de uma trilha emocionalmente manipuladora faz com que a voz de Paulo seja o verdadeiro fio condutor do filme. Uma Crise Silenciosa que Ecoa A Voz que Resta é uma obra de imersão psicológica e filosófica que ressoa como um manifesto silencioso sobre a alienação contemporânea. O filme não oferece respostas fáceis, nem um desfecho convencional; em vez disso, convida o espectador a refletir sobre o que permanece quando tudo parece desmoronar. O gravador de Paulo pode ser interpretado tanto como um símbolo de resistência quanto de ruína: sua voz gravada é uma tentativa desesperada de permanecer no mundo, mesmo quando sente que está desaparecendo. No fim das contas, o que resta? Talvez apenas o eco de nossas próprias palavras, aguardando alguém que possa ouvi-las. Enfim:A Voz que Resta é um filme inquietante e necessário, um estudo de personagem que dialoga com o existencialismo de Sartre e a psicanálise lacaniana. Não é um filme para todos, mas para aqueles que se permitem mergulhar em suas reflexões, a experiência será perturbadora e, ao mesmo tempo, reveladora. Marli Durant/ jornalista/ Agência de Notícias do Mercosul