AS METAMORFOSES DO ATOR: DO INTÉRPRETE CLÁSSICO AO ATOR-CRIADOR
O ator nunca foi o mesmo ao longo da história. A cada época, ele se transformou: ora foi um declamador que servia aos textos, ora um corpo em movimento que explora o espaço cênico, ora um criador que participa da dramaturgia.
- Categoria: Cinema
- Publicação: 09/10/2025 12:09
- Autor: Loide Almeida

A história do teatro é, em grande medida, a história do ator. A figura que hoje associamos à criação de personagens, à experimentação cênica e à expressividade do corpo nem sempre ocupou esse lugar. No capítulo dedicado às metamorfoses do ator em A Linguagem da Encenação Teatral, Jean-Jacques Roubine traça um panorama histórico que revela não apenas a evolução das técnicas interpretativas, mas também as transformações nas concepções de arte e na relação entre palco e espectador.
Durante muito tempo, especialmente no teatro clássico francês do século XVII, o ator era visto como um mero transmissor das palavras do autor. A declamação, a postura e os gestos eram codificados e pouco havia de liberdade criativa.
Com o tempo, surgem concepções mais profundas sobre o papel do ator. Influenciado pelo Romantismo e pelos novos espaços cênicos, o ator passa a investigar a psicologia da personagem, dando-lhe vida própria e não apenas a voz.
Mestres como Stanislavski, Meyerhold, Brecht e Grotowski marcam uma nova virada: o ator deixa de ser apenas intérprete e se torna protagonista do processo criativo. O processo de encenação exige dele não só a apropriação do texto, mas também a invenção de gestos, a pesquisa vocal e a exploração do espaço cênico e dos objetos. A cena torna-se um campo de investigação artística, em que o ator participa ativamente das escolhas estéticas e dramatúrgicas. É nesse contexto que o ofício do ator assume uma dimensão coletiva e experimental.
Segundo Stanislavski, o bom ator não deve limitar-se a representar de forma puramente emocional. Ele deve recorrer à sua experiência mais íntima para encontrar, dentro de si, uma emoção verdadeira. Para isso, o intérprete necessita de treinamento sistemático, que envolva simultaneamente corpo, respiração e voz.
Hoje, o ator transita entre linguagens: teatro, cinema, performance e arte digital. As metamorfoses seguem, porque o teatro é um organismo vivo que se adapta aos tempos e às novas formas de expressão.
Compreender essas metamorfoses é reconhecer que o ator é, ao mesmo tempo, herdeiro de séculos de prática e explorador de novos territórios.
No palco, ele carrega a memória do teatro e projeta o seu futuro.
Na contemporaneidade, essas metamorfoses se intensificam. A formação do intérprete exige disponibilidade para múltiplas linguagens, bem como consciência de que a atuação é sempre um ato de presença em transformação. O corpo do ator é, como propõe Roubine, um “território de passagem” entre tradição e inovação.
As metamorfoses do ator, acompanham as transformações do próprio teatro e refletem as tensões históricas entre texto e cena, palavra e corpo, disciplina e criação.
Estudar essas mudanças não é apenas um exercício histórico, mas um modo de compreender as condições que moldam o fazer teatral e cinematográfico em cada época.
Para o ator de hoje, reconhecer-se nessa genealogia significa compreender que seu ofício é herdeiro de práticas seculares e, ao mesmo tempo, chamado à reinvenção contínua.
O intérprete deixa de ser um recitador para tornar-se investigador da alma do personagem, buscando no corpo e na voz as marcas de sua singularidade
É fascinante acompanhar esse processo e testemunhar tantas transformações. Como atriz, afirmo que estamos sempre em constante pesquisa do corpo, da voz, dos gestos e dos movimentos. Cada autor e cada técnica despertam em nós uma busca incessante por oferecer o melhor em cena, muitas vezes até a exaustão, como propõe Grotowski em suas práticas.
O ator deve trabalhar a vida inteira, cultivar seu espírito, treinar sistematicamente os seus dons, desenvolver seu caráter; jamais deverá desesperar e nunca renunciar e este objetivo primordial: amar sua arte com todas as forças e amá-la sem egoísmo - Stanislavski
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