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Preços (essência) X imagem (aparência)

O Brasil está vivenciando um problema que tem servido de caldo de cultura para análises e pesquisas de opinião pública o associarem à queda de popularidade do presidente Lula.
  • Categoria: Economia
  • Publicação: 11/03/2025 18:18
  • Autor: Rodrigo Botelho Campos - economista
Me refiro à percepção das pessoas que o custo de vida, particularmente o preço em geral dos alimentos, está alto. 

Há múltiplos fatores associados ao tema, com efeitos diversos tanto nos preços em si como na percepção sobre os preços. 

Inflação é uma medida de variação de preços de uma data X até a data Y. Pode ser calculada em períodos diversos, meses e anos, por exemplo. Se cresceu pouco ao longo do tempo, o nível na data Y é menor. Se cresceu muito ao longo do tempo, o nível na data Y é maior. 

O Brasil está vivendo uma situação curiosa: a taxa de inflação está baixa, controlada pela ação do Banco Central para atingir as metas de inflação fixadas pelo CMN: Conselho Monetário Nacional. Ocorre que o nível dos preços está alto. 

Sempre aqui temos a convivência de problemas típicos de países em desenvolvimento com problemas de países desenvolvidos. Com 70% dos assalariados ganhando até 2 salários mínimos a renda não é tão alta que fique imune ao aumento de preços. Por outro lado nossas grandes cidades vivem um fenômeno assemelhado ao de outras grandes cidades de países desenvolvidos como Zurich, Londres ou Cingapura, que são consideradas caríssimas (nível de preço), mas a inflação é baixíssima (variação de preço no tempo). 

O acúmulo de variações de preços ao longo do tempo é o que determina o nível de preços num determinado momento avaliado. Ou seja, há sempre uma história do porque os preços estão no nível em que se encontram. Aí podemos começar a entender o porquê desta polêmica. 

Diversos fatores explicam este problema, mas saltam aos olhos dois:
1) as exportações estimuladas pela taxa de câmbio e a demanda internacional;
2) o nível de demanda interna associado ao crescimento do poder de compra do consumidor por conta do crescimento econômico de um determinado tipo: com crescimento da renda, decorrente, por um lado, da diminuição da taxa de desemprego e, por outro, do aumento da renda em geral, com destaque para o aumento do salário mínimo, da manutenção do poder de compra da aposentadoria e de manutenção de determinadas políticas públicas propiciadoras de renda complementar. 

O aumento das exportações implica em diminuição relativa de oferta interna. O aumento da renda implica em aumento relativo da demanda interna. Resumo da ópera: o conflito entre oferta e demanda gera aumento da taxa de inflação e, após um tempo, do nível de preços. 

A perversidade deste problema é que aumento da demanda decorrente do aumento da renda é uma situação desejada por todos que querem o desenvolvimento do país e a melhoria da vida das pessoas. Como, portanto, compatibilizar isto com o controle da inflação? Uns sugerirão aumentar a taxa SELIC para reduzir a demanda agregada e derrubar a inflação. Consequência: redução da atividade econômica com repercussão negativa na taxa de emprego e diminuição da renda. Outros sugerirão aumentar a oferta, seja via estímulo à importação seja via aumento da produção interna. 

Um pouco de cada ação está em curso: o BACEN aumenta a SELIC; o governo diminui o imposto de importação; a expectativa de aumento da oferta por conta de uma safra maior está também no radar; e a demanda aquecida estimula o empresário a investir para produzir e vender seu produto. 

Qual o dilema do governo e do presidente Lula: o “timing”, ou seja, o impacto de tudo isto ao longo do tempo. E mais, a exploração política pela oposição de todas estas ações. Afinal, política não é a arte do bom senso, mas a arte dos interesses. Todas estas ações são exploradas pela oposição no sentido inverso da intenção do governo. Aumentar SELIC para reduzir a demanda agregada visando segurar a inflação na boca da oposição vira “benefício aos rentistas”; diminuir o imposto de importação sobre alimentos para aumentar via importação a oferta, na boca da oposição vira “prejuízo aos produtores nacionais”; etc. 

O que me parece correto do ponto de vista das ações em curso pelo governo federal é que a síntese desta estratégia passa por ter feito uma opção pela maioria, ter escolhido o lado do consumidor, que é o conjunto dos 210 milhões de brasileiros, vis a vis alguns milhares de fornecedores; e ter escolhido o aumento da oferta via importação e estímulo à produção para assegurar a continuidade de um ciclo de incremento da renda e melhoria da vida do conjunto das pessoas e não ficar refém de alguns poucos fornecedores, em particular dos “atravessadores”. 

O tempo dirá se as escolhas estão certas. Eu acho que estão. 

Vamos adiante, lutando!