NOSFERATU – A REDESCOBERTA DE UMA SINFONIA DOS HORRORES
- Categoria: Critica de Filmes
- Publicação: 18/01/2025 00:06
- Autor: Marcus Hemerly
Com a estreia nos cinemas da recente e aguardada adaptação de
Nosferatu, dirigida por Robert Eggers, idealizador de sucessos como “O Farol,
(2019)” e “A Bruxa, (2015), renasce o interesse pelos primórdios trevosos do
Vampiro e sua aparição no cinema, com o grande clássico alemão que completa
cento e dois anos. Desde a invenção do cinetoscópio, até a possibilidade de
captação e transmissão mais sofisticada de imagens, a movimentação das formas
amolda-se a uma das mais populares expressões artísticas.
Concebida originalmente de forma rudimentar, o mecanismo de captar
imagens viabilizava apenas um espectador a cada visualização, e, num segundo
momento, o invento foi aprimorado pelos irmãos Auguste e Louis Lumière,
realizando-se a primeira transmissão coletiva em 22 de março de 1895. O filme, “La
Sortie de L'usine Lumière à Lyon” (A saída da Fábrica Lumière em Lyon),
retratava a saída dos funcionários do interior da empresa Lumière, na cidade de
Lyon, na França, deflagrando o vindouro ritual de agrupamento para apreciação
cinematográfica.
Certa feita, o grande crítico já
falecido, Rubens Ewald Filho, quando comentando acerca do cinema mudo, disse
que não poderia sentir saudades daquilo que não viveu/conheceu, ressaltando a
quase impossibilidade de dissociação da trilha sonora sobre os filmes. Decerto,
existem algumas correntes de pensamento pelas quais o verdadeiro cinema, a
verdadeira arte da película, traduzia sua modalidade silente, pela qual as
emoções e a trama deveriam ser transmitidas ao público, tão somente, pela
pantomima intercalada por eventuais caixas de texto inseridas entre os quadros
de cenas; a habilidade de atuação na interpretação sem o auxílio da fala.
O início do século 20 foi marcado pelos períodos/movimentos do
expressionismo, impressionismo, surrealismo, neorealismo, nouvelle vague,
film noir – atualmente classificado como um subgênero autônomo – cada
qual, retratando por meio de suas peculiaridades, a verve criativa em suas
nacionalidades e influências. Atualmente, assistir a uma produção
sem a expressividade sonora, pode ser um exercício, no mínimo, pouco usual
àqueles que não o fazem sob um viés científico, rotulado de excêntrico aos
panoramas contemporâneos.
De outro giro, observado como fonte de pesquisa em uma ótica
apurada, revela-se uma experiência extremamente prazerosa, ao passo que o
cinema mudo abarca pontos extremamente importantes à sétima arte, tais como os
já citados impressionismo russo, (O encouraçado Potemkin, 1925) e
expressionismo alemão, cujas principais produções são os inovadores, “O
Gabinete do Dr. Caligari, 1920”, “Nosferatu, 1922” e “Metrópoles, 1927”.
Pondera-se que, por óbvio, os oitenta minutos da película que
assombrou os espectadores em 1922, “Nosferatu, Uma sinfonia do Horror (Eine
Symphonie des Grauens)”, primeira adaptação (ainda que não creditada) da obra
Drácula, publicada em 1897, pode não causar maiores calafrios passados cem anos
de sua realização. No entanto, as particularidades analíticas atreladas ao pano
de fundo histórico permanecem igualmente fascinantes, em paralelo às
dificuldades de realização e impressão de efeitos como técnica de narrativa no
início do século passado.
Ainda que o título “Aurora”, produzido já em terras americanas, seja
o trabalho mais pessoal do excêntrico diretor F.W. Murnau, Nosferatu, a despeito
do excelente “Vampir” (1932), de Carl Theodor Dreyer, ainda é considerado o
primeiro grande filme do gênero. Na trama, Hutter (Gustav von Wangenheim),
agente imobiliário, viaja até os Montes Cárpatos para diligenciar a venda de um
imóvel ao conde Graf Orlock (Max Schreck), que na verdade é um milenar vampiro
que ominosamente, leva a morte até Bremem, na Alemanha.
Lançado nos cinemas para um público selecionado há 102 anos, trata-se
de uma obra enigmática, com a primeira sessão em 4 de março de 1922 em um
zoológico em Berlim, (Berlim Zoological Gardem). Tal a intensidade da
interpretação de Schreck, que existiu a lenda de que o ator, de fato, tratava
de um vampiro - afinal, tratava-se do início do século 20 – inclusive inspirando
o filme “A Sombra do Vampiro”, de 2000. Na trama, o ator é vivido por Willen
Defoe, e retrata o set de filmagens da obra de 1922. Imprescindível ainda
fazer referência à refilmagem de 1979, dirigida por Werner Herzog (diretor do
polêmico Fitzcarraldo), intitulada O Vampiro da Noite, no qual a interpretação fabulosa
de Klaus Kinski, honra os intensos traços stanislavskianos do primeiro
intérprete do Conde Orlock.
A produção de Murnau é cercada de pontos curiosos. Consoante
mencionada acima, é uma adaptação não autorizada da obra de Drácula, escrita
por Bram Stoker, o que culminou num processo judicial pelo qual foi determinada
a destruição de todas as cópias. Felizmente, algumas remanesceram e a obra-prima
pode ser apreciada nos dias atuais, no entanto, o estúdio Prana foi
levado à falência em sua primeira produção, como decorrência das despesas da
ação movida pelos herdeiros de Stoker. As
belas locações na Romênia, Alemanha e Tchecoslováquia, com seus fortes
contornos mórbidos são um ótimo exemplo do movimento expressionista.
É hipnotizante a atmosfera realista em paralelo ao tom onírico,
formado, ainda que indiretamente pelos parcos recursos da época. Exortemos a
tecnologia, mas de igual modo, aqueles que a desenharam em seus primórdios,
possibilitando projetos impensáveis quando da sessão de cinema e o terror
impingido às audiências no lançamento de 1922. Afinal, já foi dito, “um
clássico nunca sai de moda”.
SOBRE O AUTOR
Marcus Hemerly, é natural de Cachoeiro
de Itapemirim/ES. Servidor do Poder Judiciário Estadual, tendo formação em
Direito, é autor das obras solo “Verso e Prosa: Excertos de Acertos", e
“Versos Anversos”, além de coautor em antologias poéticas e de contos,
participando de academias literárias. É colunista de cinema e literatura,
contribuindo com periódicos impressos e eletrônicos, articulista, roteirista e
pesquisador independente de cinema, precipuamente sobre os temas “Cinema
Marginal Brasileiro” e “Horror Italiano”.